“A honradez e o caráter de
qualquer homem, mede-se pelos atos que ele
pratica no enfrentamento de adversidades, em que se espera dele o comportamento
adequado à altura daquela própria situação”.
Por que pessoas boas sofrem coisas ruins? É a questão central desta belíssima obra
escrita em forma poética. No nosso Ritual
existe apenas uma ligeira referência a pessoa de Jó, citando apenas uma frase:
“Por que os maus são os mais poderosos?”
O Livro de Jó é composto de 42 capítulos e merece não apenas ser
lido, como analisado profundamente, é um dos livros SAPIENCIAIS, cujo nome é
dado aos 5 livros do antigo testamento: Provérbios, Jó, Eclesiastes,
Eclesiástico e Sabedoria. Esses livros
apresentam a sabedoria e a espiritualidade de Israel.
Em Israel, a sabedoria não é a cultura adquirida pelo acúmulo de
conhecimento, mas o bom senso e o discernimento adquiridos através da meditação
e reflexão sobre a experiência concreta da vida. Trata-se de algo que se aprende na prática e
que leva à arte de viver bem. Assim nos
livros sapienciais encontramos reflexões que brotam dos muitos problemas que
povoam o dia-a-dia da vida de qualquer pessoa que busca o caminho da realização
e da felicidade.
O significado do nome Jó (em hebraico: אִיּוֹב) é “Voltado sempre para Deus”, e a terra de Uz onde esse
personagem viveu seria atualmente a região do Iraque. Há indícios de que o
drama se passa entre os séculos XVII a.C.(1683a.C.) a XVI a.C. (1543a.C.).
Para dar compreensão sobre a personalidade de Jó, citaremos o preâmbulo
do Livro:
Havia um homem na terra de Uz,
cujo nome era Jó; e era este homem íntegro, reto e temente a Deus e desviava-se
do mal.
E nasceram-lhe sete filhos e três
filhas.
E o seu gado era de sete mil
ovelhas, três mil camelos, quinhentas juntas de bois e quinhentas jumentas;
eram também muitíssimos os servos a seu serviço, de maneira que este homem era
maior do que todos os do oriente.
E iam seus filhos à casa uns dos
outros e faziam banquetes cada um por sua vez; e mandavam convidar as suas três
irmãs a comerem e beberem com eles.
Sucedia, pois, que, decorrido o
turno de dias de seus banquetes, enviava Jó, e os santificava, e se levantava
de madrugada, e oferecia holocaustos segundo o número de todos eles; porque
dizia Jó: Talvez pecaram meus filhos, e amaldiçoaram a Deus no seu coração.
Assim fazia Jó continuamente.
E num dia em que os filhos de
Deus vieram apresentar-se perante o SENHOR, veio também Satanás entre eles.
Então o SENHOR disse a Satanás:
Donde vens? E Satanás respondeu ao SENHOR, e disse: De rodear a terra, e
passear por ela.
E disse o SENHOR a Satanás:
Observaste tu a meu servo Jó? Porque ninguém há na terra semelhante a ele,
homem íntegro e reto, temente a Deus, e que se desvia do mal.
Então respondeu Satanás ao
SENHOR, e disse: Porventura teme Jó a Deus debalde (em vão)?
Porventura tu não cercaste de
sebe (cerca de arbustos), a ele, e a sua casa, e a tudo quanto tem? A obra de
suas mãos abençoaste e o seu gado se tem aumentado na terra.
Mas estende a tua mão, e toca-lhe
em tudo quanto tem, e verás se não blasfema contra ti na tua face.
E disse o SENHOR a Satanás: Eis
que tudo quanto ele tem está na tua mão; somente contra ele não estendas a tua
mão. E Satanás saiu da presença do SENHOR.
E sucedeu um dia, em que seus
filhos e suas filhas comiam, e bebiam vinho, na casa de seu irmão primogênito,
Que veio um mensageiro a Jó, e
lhe disse: Os bois lavravam, e as jumentas pastavam junto a eles;
E deram sobre eles os sabeus(povo
de Sabá), e os tomaram, e aos servos feriram ao fio da espada; e só eu escapei
para trazer-te a nova.
Estando este ainda falando, veio
outro e disse: Fogo de Deus caiu do céu, e queimou as ovelhas e os servos, e os
consumiu, e só eu escapei para trazer-te a nova.
Estando ainda este falando, veio
outro, e disse: Ordenando os caldeus três tropas, deram sobre os camelos, e os
tomaram, e aos servos feriram ao fio da espada; e só eu escapei para trazer-te
a nova.
Estando ainda este falando, veio
outro, e disse: Estando teus filhos e tuas filhas comendo e bebendo vinho, em
casa de seu irmão primogênito,
Eis que um grande vento sobreveio
dalém do deserto, e deu nos quatro cantos da casa, que caiu sobre os jovens, e
morreram; e só eu escapei para trazer-te a nova.
Então Jó se levantou, e rasgou o
seu manto, e rapou a sua cabeça, e se lançou em terra, e adorou.
E disse: Nu saí do ventre de
minha mãe e nu tornarei para lá; o SENHOR o deu, e o SENHOR o tomou: bendito
seja o nome do SENHOR.
Em tudo isto Jó não pecou, nem
atribuiu a Deus falta alguma.
Esse é o preâmbulo da terrível aventura que envolveu Jó que
manteve a fé e a adoração ao Senhor.
O tema central do livro
não é o problema do mal, nem o sofrimento do justo e inocente, e muito menos o
da "paciência de Jó". O autor desse drama apaixonante discute a
questão mais profunda da religião: a natureza da relação entre o homem e Deus.
O povo de Israel concebia a relação com Deus através do dogma da retribuição:
Deus retribui o bem com o bem e o mal com o mal. Tal concepção arrisca produzir uma religião de
comércio, onde o homem pensa poder assegurar a própria vida e até ditar normas
para o próprio Deus. Contra isso, o autor mostra que a religião verdadeira é
mistério de fé e graça: o homem se entrega livre e gratuitamente a Deus; e
Deus, mistério insondável, volta-se para o homem gratuitamente, a fim de
estabelecer com ele uma comunhão que o leva para a vida.
O livro provavelmente
foi redigido, em sua maior parte, durante o exílio, no século VI a.C. Como Jó, o povo de Judá tinha perdido tudo:
família, propriedades, instituições e a própria liberdade. Ora, tudo isso era
garantido por uma concepção teológica vigente até esse tempo. E aqui entra a
pergunta crucial feita por Satanás: É possível ter uma relação gratuita com
Deus, despojada de qualquer interesse? (Porventura teme Jó
a Deus debalde?).
Podemos dizer que todo o livro é uma busca para responder a essa
questão. A resposta implica superar toda a teologia da retribuição, incapaz de
responder à nova situação do povo, sem cair em absurdos. O povo estava vivendo
uma nova experiência, e isso exigia uma nova forma de conceber Deus, o homem e
as relações entre ambos.
Além de pretender
condenar o homem para salvaguardar a justiça de Deus, essa teologia pode ser
usada para condenar a Deus, a fim de salvaguardar a justiça do homem. Como sair
desse impasse? A esta altura, percebemos que o livro de Jó é uma crítica de
toda aquela teologia da retribuição. Essa teologia pode se tornar um verdadeiro
obstáculo para a própria experiência em Deus. E aqui o autor dá o seu recado: É
preciso pensar a religião a partir da experiência em Deus e não de uma teoria a
respeito Dele.
Aspecto importante do
livro é que Jó faz a sua experiência em Deus na pobreza e marginalização.
Experiência que ultrapassa todas as explicações, tornando-se ponto de partida
para uma nova história das relações entre os homens e com Deus. A confissão
final de Jó - "Eu te conhecia só de ouvir. Agora, porém, meus olhos te
vêem" (42,5) - é o ponto de chegada de todo o livro, transformando a vida
desprovida de bens materiais em lugar da manifestação e experiência de Deus. A
partir disso, podemos dizer que o livro de Jó é a proclamação de que somente desapegado
da matéria (voto de pobreza) nos tornamos apto para fazer tal experiência.
O livro é um convite
para nos libertar da prisão das idéias feitas e continuamente repetidas, a fim
de entrar na trama da vida e da história, onde Deus se manifesta ao pobre e se
dispõe a caminhar com ele para construir um mundo novo. Tal solidariedade de
Deus se transforma em desafio: Estamos dispostos a abandonar nossas tradições
teológicas para nos solidarizar com o pobre e fazer com ele a experiência em
Deus?
Quando ficamos entristecidos
face a alguma adversidade, mesmo que não possamos atinar sobre o porquê dessas
adversidades, ou quando os amigos se afastam e retornam após passar a borrasca,
iremos encontrar nesse livro a resposta certa aos nossos anseios e assim a
reação para enfrentar os problemas e solucioná-los.
Possamos todos nós,
encontrar no simbolismo bíblico o meio próprio para podermos, com galhardia,
vencer os nossos dias sobre a terra, pois atualmente a nossa religiosidade
frente às amarguras e durezas da vida vem esmaecendo e erroneamente buscamos
solução dentro do desespero, que não nos conduz a nada, revoltando contra o
criador e blasfemamos o nosso coração.
A fé na solução
inesperada deve ser o alimento cotidiano do maçom.
Finalizando,
podemos afirmar que o livro de Jó trata de um dos assuntos mais difíceis na
experiência humana: como entender e lidar com o nosso sofrimento. É um livro
rico e cativante que todos nós maçons precisam e devem estudar, pois um dia,
mais cedo ou mais tarde, ele será útil em nossas vidas.